MORADIA SOCIAL COMO DIREITO E FERRAMENTA DE REDUÇÃO DO DÉFICIT HABITACIONAL.
Atualizado: 13 de fev. de 2020
Fernanda Cordeiro de Araujo, Thaís Ribeiro Esteves
Artigo publicado originalmente no site: http://www.inicepg.univap.br

(Créditos Pixabay)
Este artigo tem como objetivo refletir sobre o direito à moradia e à propriedade privada como direitos fundamentais a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tornando-se um direito humano universal. No entanto, para a efetivação desse direito é necessário repensar a função social habitacional, uma vez que no Brasil esta realidade está distante de ser solucionada, sendo necessário para isso novas formas de moradias, principalmente para as famílias de baixa renda, através de políticas públicas habitacionais bem elaboradas e eficazes que garantam o desenvolvimento social, o combate à pobreza e busquem uma melhor qualidade de vida a todos os cidadãos.
O direito à moradia e à propriedade privada estão preconizados na Constituição Federal Brasileira de 1988, bem como em normas jurídicas que garantem a segurança e o bem-estar físico de cada pessoa e sua família. Porém, antes da sua preconização, o direito à moradia era tratado somente como demanda, enquanto o direito à propriedade privada, somente acessava quem detinha o poder financeiro. O direito à moradia digna foi reconhecido desde 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e foi incluído na Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional no 26/2000. Com o aumento da demanda de moradia iniciam discussões por parte dos movimentos sociais, os quais exigem medidas para se repensar a função social da propriedade por parte do Estado, passando a efetivar esse direito mediante as políticas públicas.
O trabalho exercido pelo profissional Assistente Social em programas e projetos de habitação de interesse social tem como prerrogativa identificar as demandas, conhecer a realidade social, mediar e definir estratégias junto à população atendida e aos movimentos sociais, nos processos de participação e organização popular, a fim de buscar respostas às necessidades básicas da população no acesso aos direitos.
Atualmente o que se vê é o descaso do Estado descumprindo seu papel no atendimento às
necessidades e demandas oriundas da “questão social”, reforçando a segregação, ao qual a classe dominante tem privilégios e o direito de escolher onde vai morar, enquanto a classe dominada é obrigada a se contentar com as precariedades nas margens da sociedade. Em relação às políticas públicas habitacionais implementadas, o problema da moradia continua presente, no entanto, a questão habitacional vai além do déficit, pois segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2015), existe um grande número de domicílios vazios no país, se comparamos essa quantidade é quase igual ao número do déficit habitacional.
Dentre os programas habitacionais existentes por meio das legislações municipal e estadual existe o aluguel social, que tem sido utilizado no atendimento de vítimas em situação de emergência e calamidade pública de remoções em locais que oferecem riscos à vida das pessoas. O objetivo deste artigo é o estudo das possibilidades de transformação de imóveis abandonados em habitação de interesse social, atendendo, assim, à função social da propriedade. Identifica-se que existem locais que utilizam a moradia social de forma a ocupar as residências que não estão cumprindo a função social da propriedade, uma espécie de aluguel social, porém ao qual as famílias que pagam valores, esses abaixo do mercado, garantindo o direito de morar com dignidade.
Segundo levantamento do IBGE, as necessidades habitacionais totalizavam 1,2 milhão de moradias no Estado de São Paulo. Enquanto existem milhões de pessoas sem moradia digna, há
cerca de 6,07 milhões de domicílios vazios, conforme o Censo IBGE 2010. Esse número é próximo ao déficit habitacional quantitativo (6,273 milhões), ou seja, ao número de novas moradias que precisam ser construídas. É atribuído ao Estado, em seus três níveis de competência (municipal, estadual e federal), o papel de garantir que os imóveis vazios cumpram sua função social. Portanto, os governos possuem a responsabilidade de construir políticas públicas que viabilizem estes espaços ociosos para que sejam utilizados como moradia popular.

Dentre os programas de habitação, está o da CDHU - Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo, que hoje é o maior programa promotor de acesso à moradia no Brasil, voltado para atender população de baixa renda, além disso o programa atua em melhorias habitacionais e regularização. Porém, é importante evidenciar que estes empreendimentos são construídos distantes dos centros, sendo somente moradias dormitórias, uma vez que a população se desloca para os centros para trabalhar, bem como utilizar e acessar serviços públicos, tais como escolas, hospitais, creches, entre outros benefícios que não encontra nos redores destas moradias. Dessa maneira, constata-se um descumprimento do que é previsto no quesito direito à moradia:
Moradia digna é aquela localizada em terra urbanizada, com situação de propriedade regular, provida de redes de infraestrutura (transporte coletivo, água, esgoto, luz, coleta de lixo, telefone, pavimentação, dentre outros), servida por equipamentos sociais como: escolas, postos de saúde, praças, apoio na segurança pública, etc., que apresente instalações sanitárias adequadas, condições mínimas de conforto e habitabilidade; utilização por uma única família (a menos de outra opção voluntária), dispondo de pelo menos um dormitório para cada dois moradores adultos e por fim, que possibilite a vida com qualidade e o acesso à cidade (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008, s/p)
O déficit habitacional se encontra em todas as regiões do Brasil. De acordo com o gráfico a seguir, é visível como grande parte da população se encontra nas áreas urbanas. Esse movimento se explica mundialmente a partir da Revolução Industrial, ao qual uma parcela significativa da população se deslocaram das áreas rurais em busca de empregos e condições melhores de vida, porém devido a especulação imobiliárias e o alto custo para se manter nos locais centrais, se deslocam para as moradias irregulares, sem nenhuma infraestrutura e condições dignas de sobrevivência.

Novos instrumentos vêm ganhando espaço para a luta da moradia, o Estatuto da Cidade, desde 2001, com ferramentas que firmam a concessão real para fins de moradia, as Zonas Especiais de Interesse Social, trazendo para discussão o direito à cidade, deixando de lado a lógica do direito somente para uma pequena parcela da população, de condições privilegiadas, passando a defender uma sociedade mais justa e igualitária, o que envolve necessariamente o direito à moradia.
Quando se fala em direito à moradia não podemos esquecer a luta histórica em busca da efetivação, um direito conquistado pelo povo, pelas classes populares. O surgimento dos movimentos sociais ganha força a partir do desenvolvimento capitalista, ao qual o Estado passa a se ausentar dos compromissos com a população uma vez que neste sistema só se privilegia a classe dominante. Com essa ausência do Estado no campo social, os movimentos vêm na perspectiva de reivindicar direito a frente às precariedades das condições de vida da população.
A segregação urbana ou ambiental é uma das faces mais importantes da desigualdade social e parte promotora da mesma. À dificuldade de acesso aos serviços e infraestrutura urbanos (transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento, difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desmoronamentos etc.) somam-se menos oportunidades de emprego (particularmente do emprego formal), menos oportunidades de profissionalização, maior exposição à violência (marginal ou policial), discriminação racial, discriminação contra mulheres e crianças, difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer. A lista é interminável. (MARICATO, 2003, p. 152).
Nas políticas públicas voltadas para a moradia, bem como nos movimentos sociais, é de extrema importância a presença da população nas discussões para a construção de novos mecanismos, como é o caso da moradia social, que respeitem as singularidades de cada família, levando em conta a opinião de cada uma. Mesmo com as políticas existentes no Brasil percebe-se a abrangência da precariedade da execução destas.
Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), em linhas gerais, locação social consiste em um programa ou ação do Estado, podendo haver parceria com o setor privado, para viabilizar o acesso à moradia por meio de pagamento de taxas e/ou “aluguel”. Refere-se, assim, a um serviço de moradia, ofertado a beneficiários finais, sendo necessária a definição do público-alvo para a configuração exata tanto dos benefícios/serviços, quanto dos subsídios que os assegurem.
Posta a desigualdade socioespacial, a alternativa que resta para a população é a estratégia de ocupações em locais centrais, buscando uma oportunidade para a melhoria de qualidade de vida. No entanto, os grandes centros são locais de disputa e poder por via da especulação imobiliária.
As ocupações existem porque, no contexto social que vivenciamos, o ocupante procura por trabalhos em espaços vazios, abandonados, sem destinação, empurrado pela necessidade de fome, de trabalho, como imperativo de emergência. Assim, em razão de ser famélica esta ocupação, ela não pode ser punível. Ocupar terra para plantio [e para moradia] não é delito; delito é o estoque especulativo de terras. Merecem punição, de acordo com a lei, os proprietários que mantêm a terra ociosa, sem destinação social. (SILVA, 1996, p. 2) .
Mesmo dentre os programas existentes que dão acesso ao direito à moradia e que é dever das instituições governamentais darem suporte e fazer prevalecer os direitos previstos, existem muitas dificuldades para que isso seja cumprido, como por exemplo: a falta de atenção aos interesses da população, a falta de recursos específicos, interesses das grandes empreiteiras da construção civil em cada vez mais construir empreendimentos. Nesta perpectiva podemos dizer que um dos maiores problemas é a implementação de políticas públicas funcionais nesta área, não é necessário mais construções e sim a moradia social na perspectiva de uma nova função social, e isso é possível por meio de parcerias, para a utilização de imóveis que estão fechados, muitos com documentos irregulares, com isso se faz necessário a atuação do (a) Assistente Social na garantia de todos os direitos essenciais, intervindo não apenas no acesso à moradia, mas em todas as violações de direitos.
Referências
<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-jose-dos-campos/pesquisa/23/23226?tipo=grafico>. Acesso em: 24 ago. 2019.
<http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5787/1/td_2134.pdf> Acesso em: 31 ago. 2019.
ESTATUTO DA CIDADE. Guia para a implementação pelos municípios e cidadãos. 3. ed.
Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicação, 2008.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 1988.
MARICATO, E. Metrópole, legislação e desigualdade. Estudos Avançados, v. 48, n. 17, p. 152,
2003.
SILVA, José Gomes da. A reforma agrária brasileira na virada do milênio. São Paulo:
Abra, 1996.