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O ESPAÇO SOCIAL COMO FERRAMENTA DE VINCULO AO TERRITÓRIO

Thiago Vinícius Lima da Silva

No bairro Jardim Pedramar, Jacareí (SP), pode-se dizer que seus moradores usam a rua como uma extensão de suas casas, bem como os espaços públicos ociosos. Nesta perspectiva, a proposta desta pesquisa é mostrar a transformação que o território está recebendo, observando a ação de um morador que se apropriou de uma área pública para transformá-la em uma praça. Esse espaço era usado para descarte de rejeitos, entulhos e lixos. Hoje em dia, com o nome de “Praça Guarani”, tem uma nova funcionalidade, sendo um espaço de cuidado ambiental e contemplação dos arranjos criativos criados pelo morador. Nesse sentido, a pesquisa busca a subjetividade presente na iniciativa popular, atraindo a atenção das pessoas para a movimentação social e cuidado com o território.


O Jardim Pedramar localiza-se numa região periférica de Jacareí, sendo composto por quatorze ruas situadas em terreno de baixo valor econômico, casas irregulares, esgoto irregular e ausência de equipamentos públicos (Jacareí-Cadastro Técnico, 2017). Essa realidade tem sido constatada através de vivências e da participação que tenho na vida social desta comunidade, mas também por um documento gerado pela secretária de planejamento urbana do município de Jacareí. Essas são algumas das características negativas que compõem o território:


Deixado ao quase exclusivo jogo do mercado, o espaço vivido consagra desigualdades e injustiças e termina por ser, em sua maior parte, um espaço sem cidadãos. Olhando-se o mapa do país, é fácil constatar extensas áreas vazias de hospitais, postos de saúde, escolas secundárias e primárias, informação geral e especializada, enfim, áreas desprovidas de serviços essenciais à vida social e à vida individual. O mesmo, aliás, se verifica quando observamos as plantas das cidades em cujas periferias, apesar de certa densidade demográfica, tais serviços estão igualmente, ausentes. E como se as pessoas nem lá estivessem. (SANTOS, 2007, p.59)

Percebe-se que a comunidade do Pedramar tem uma iniciativa popular ativa: no bairro, são notáveis as intervenções no território, que contempla desde graffitis nas paredes até pequenos jardins nas calçadas, podendo-se destacar o surgimento em 2012 da “Praça Guarani”, uma área pública à qual o senhor Aluízio Severino Barroso, 65 anos, deu um destino produtivo.

Segundo ele, sua ação surgiu devido a uma necessidade, pois havia no local colchões velhos, grades e entulhos que os próprios vizinhos jogavam. Incomodado com o descaso, Aluizio iniciou um trabalho de plantio de árvores, ervas medicinais e plantas ornamentais, além disso ele deu outros destinos aos rejeitos encontrados nesse espaço, criando arranjos criativos para decorar o espaço.


E o direito aos espaços públicos, típicos da vida urbana tradicional? Hoje, os espaços públicos (praias, montanhas, calçadas etc.) foram impunemente privatizados. Temos de comprar o ar puro, os bosques, os planos de água, enquanto se criam espaços privados publicizados, como os playgrounds ou, ainda mais sintomático, os condomínios fechados que a gente rica justifica como necessários à sua proteção. O lazer na cidade torna-se igualmente o lazer pago, inserindo a população no mundo do consumo. Quem não pode pagar pelo estádio, pela piscina, pela montanha e o ar puro, pela água, fica excluído do gozo desses bens, que deveriam ser públicos, porque essenciais. (SANTOS, 2007, p.64)

Na entrevista realizada, Aluízio comentou que as pessoas gostam muito da praça Guarani, principalmente as crianças; também mencionou um mapeamento que realizou no início da praça, catalogando mais de 30 espécies diferentes de plantas, dentre elas: manga, goiaba, ingá, ameixa, amora, caju, erva cidreira, boldo, batata doce e mandioca. No entanto, segundo ele, seu computador (onde a pesquisa era armazenada) quebrou, perdendo-se assim os registros que haviam sido armazenados. Perguntado a respeito dos arranjos que cria (“o senhor tem algum método? ”), Aluízio disse que “a ideia vem e ele cria, simples assim”.

Aluízio também revelou o sonho de fazer “algo maior” na área de mata fechada que há na comunidade e que está descuidada; comentou que a comunidade não tem participado para ajudar, nem a prefeitura. Aluízio conta que desejaria ver a praça iluminada e também com água para irrigação; relatou a criação de placas indicando o nome do bairro e a importância do pertencimento ao espaço e disse que seu pagamento “é o reconhecimento das pessoas, os elogios”, afirmando que fica muito contente e não faz isso por dinheiro.




SANTOS (2001, p.21) cita que o uso do território pode ser definido pela implantação de infraestruturas, para as quais estamos igualmente utilizando a denominação de sistemas de engenharia, mas também pelo dinamismo da economia e da sociedade. São os movimentos da população. A comunidade do Jardim Pedramar completou, em 2018, 25 anos de existência, mostrando-se pioneira em atividades socioculturais de cunho popular no município de Jacareí, enfrentando a falta de equipamentos públicos relacionados à cultura, educação, saúde e lazer, necessidades essas que contribuem para uma baixa autoestima social no bairro. Contrapondo-se a isso, iniciativas populares como a de Aluízio estimulam o pertencimento e cuidado com o espaço, o que começa a mudar o olhar da própria comunidade sobre o território.

Diante de uma situação inicial de descaso diante do lugar, este tipo de iniciativa possibilita a criação de narrativas e ações sociais que inspiram outras boas práticas, fortalecendo o tecido social, bem como a identidade local:


[...] na verdade, as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação. Nós só sabemos o que significa ser “inglês” devido o modo como a “inglesidade” veio a ser representada - como um conjunto de significados - pela cultura nacional inglesa. Segue-se que a nação não é apenas uma entidade política, mas algo que produz sentidos - um sistema de representação cultural (HALL, 2004, p.49)

Seguindo a ótica de (HALL, 2004), é visível a atividade de representação cultural criada pela praça Guarani, mesmo que tendo sido efetuada de modo inconsciente, gerando uma identificação cultural por fazer parte do bairro e estendendo essa identificação para pessoas de fora do bairro que por lá passam ou mesmo que tenham contato com o local apenas por meio das redes sociais.

Santos (2001) comenta que o significado de territorialidade é pertencer àquilo que nos pertence. O conceito se aplica à iniciativa do Senhor Aluízio, que iniciou a praça por se sentir pertencente àquele espaço; incomodado com a falta de cuidado, tornou-se assim um defensor do local, atuando em prol de sua valorização e ressignificação, mesmo com todas as dificuldades postas.

Diante da ausência de politicas públicas voltadas à comunidade do Jardim Pedramar, pode-se dizer que o senhor Aluízio está fazendo mais que uma área de lazer; na verdade, de modo simples e voluntário, está construindo um elo entre a comunidade e o território, mostrando que temos a possibilidade da autonomia quando se trata de criar espaços sociais, independentemente de qualquer apoio do poder público.





Referências

HALL, Stuart Hall. A identidade Cultural na pós modernidadde. In: HALL, Stuart Hall. A identidade Cultural na pós modernidadde. Brasil: DP&A editora, 2004.


SANTOS, Milton. O espaço do Cidadão. In: SANTOS, Milton Santos. O espaço do Cidadão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.


SANTOS, Milton. O Brasil território e sociedade no início do sec. XXl. In: SANTOS, Milton Santos. O Brasil território e sociedade no início do sec. XXl. São Paulo: Record, 2001.


SANTOS, Milton. Espaço do Cidadão: Literatura Socialista. 2013. Disponível em: <https://www.docdroid.net/73c6QnC/espaco-do-cidadao-milton-santos->. Data de acesso: 30 ago. 2019.

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